O Plenário do Senado Federal deu um passo decisivo nesta quarta-feira (17) ao aprovar o Projeto de Lei nº 2.162/2023, popularmente conhecido como PL da Dosimetria. A proposta, que recebeu 48 votos favoráveis contra 25, visa a redefinição de critérios para a aplicação de penas, impactando diretamente os indivíduos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. A matéria é de especial relevância devido à sua capacidade de alterar a situação jurídica de diversos réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi sentenciado a 27 anos e três meses de prisão sob a acusação de tentativa de golpe de Estado. Com a aprovação no Senado, o texto agora segue para a análise e possível sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A tramitação do projeto foi marcada por intensos debates, especialmente sobre a necessidade de delimitar rigorosamente seu escopo para que os benefícios previstos fossem aplicados exclusivamente aos eventos que abalaram as instituições democráticas brasileiras.
A Aprovação e as Modificações Chave do PL da Dosimetria
A Restrição Específica para os Atos de 8 de Janeiro
O Projeto de Lei nº 2.162/2023, batizado de PL da Dosimetria, obteve aprovação no Plenário do Senado Federal por uma margem de 48 votos favoráveis contra 25, concluindo uma etapa fundamental de sua tramitação legislativa. A votação, que ocorreu em um clima de intenso debate, reflete a polarização e a complexidade jurídica e política que envolvem os desdobramentos dos atos de 8 de janeiro de 2023. A proposta, que agora aguarda a sanção presidencial, visa a reavaliar e potencialmente reduzir as penas aplicadas aos condenados pelos eventos daquele dia.
A jornada do PL até a aprovação no Senado não foi isenta de controvérsias. Após sua passagem pela Câmara dos Deputados, uma série de especialistas e juristas expressou preocupação quanto à abrangência de sua redação original. O temor era de que o texto, sem as devidas delimitações, pudesse ser interpretado de forma ampla, beneficiando não apenas os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes, mas também criminosos comuns, especialmente aqueles acusados de delitos não violentos. Essa possibilidade gerou um clamor por ajustes que garantissem a especificidade da lei.
Atento a essas ponderações, o relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, senador Espiridião Amin (PP-SC), acatou uma emenda crucial apresentada pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR). A alteração foi meticulosamente elaborada para blindar o projeto contra interpretações extensivas e para assegurar que seus efeitos fossem estritamente direcionados. Conforme a nova redação, as disposições da lei “aplicam-se exclusivamente aos crimes praticados no contexto dos eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023, relacionados aos atos de invasão, depredação, dano a bens públicos ou privados, conforme apurados nos respectivos processos judiciais”. A emenda complementa ainda que “é vedada a aplicação desta lei a fatos diversos daqueles expressamente mencionados no caput, ainda que guardem similitude típica ou pena”. Essa emenda foi determinante para dissipar resistências e garantir que o projeto avançasse, focando exclusivamente nos eventos que motivaram sua criação.
Impactos Diretos na Dosimetria das Penas e Potenciais Beneficiados
A Fusão de Penas e a Progressão de Regime
O cerne do PL da Dosimetria reside em alterações significativas nas regras de aplicação e execução das penas para os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Uma das principais inovações diz respeito à unificação de penas em casos de crimes conexos. O texto estabelece que, quando os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado forem praticados no mesmo contexto, a penalidade aplicada será a mais grave dentre elas, e não a soma de ambas as condenações. Essa medida representa uma mudança substancial na forma como o Judiciário tem processado e sentenciado os réus, visando evitar o que alguns parlamentares consideram um excesso de pena em situações de concurso material de crimes.
Outra modificação relevante introduzida pelo projeto refere-se à progressão do regime de prisão. O PL determina uma redução no tempo necessário para que o condenado possa progredir do regime fechado para o semiaberto, e deste para o aberto. De acordo com a nova regra, o réu que demonstrar bom comportamento precisará cumprir um mínimo de 16,6% da pena para ter direito à progressão, um percentual consideravelmente menor em comparação com os padrões estabelecidos na legislação penal brasileira para crimes de outra natureza, que podem variar de um sexto (para primários em crimes sem violência ou grave ameaça) a dois quintos (para reincidentes em crimes hediondos). Essa alteração tem o potencial de acelerar a transição dos condenados para regimes de menor restrição, sob a premissa de que a ressocialização e a reintegração são facilitadas pela menor duração do encarceramento mais severo.
Redução para Participantes sem Liderança e o Núcleo da Trama Golpista
Adicionalmente, o PL da Dosimetria prevê uma significativa redução da pena para aqueles réus que, embora tenham participado das manifestações e infrações em multidão, não exerceram papel de liderança nem financiaram os atos. Nesses casos específicos, a pena poderá ser reduzida em um terço a dois terços. Essa distinção busca individualizar a responsabilidade penal, diferenciando os organizadores e mentores dos atos daqueles que aderiram à turba sem um papel de protagonismo, reconhecendo a influência do comportamento coletivo na prática de crimes e a menor culpabilidade daqueles que não foram os indutores ou financiadores dos eventos.
Com as mudanças propostas, uma lista de figuras proeminentes da política e das Forças Armadas, além do ex-presidente Jair Bolsonaro, pode ser beneficiada. Entre os nomes que integraram o chamado “núcleo 1” da trama golpista, conforme apurado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), destacam-se o ex-ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto; o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; e o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Este grupo, de acordo com as investigações e os julgamentos, teria desempenhado um papel central no planejamento não apenas da tentativa de golpe de Estado, mas também de ações mais drásticas, incluindo supostos planos para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. A aprovação deste projeto levanta, portanto, questões complexas sobre a aplicação da justiça e a responsabilização de agentes públicos em atos que atentam contra a ordem democrática.
Perspectivas Futuras e o Debate Jurídico-Político
A aprovação do PL da Dosimetria pelo Senado marca um ponto de inflexão na abordagem legislativa dos atos de 8 de janeiro, mas o desfecho final da proposta ainda depende da decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula tem a prerrogativa de sancionar integralmente o texto, vetá-lo parcial ou totalmente, ou até mesmo aprovar com ressalvas, enviando os trechos vetados para reanálise do Congresso Nacional. A escolha presidencial será um ato de grande peso político e jurídico, capaz de definir o futuro dos condenados e a percepção pública sobre a resposta do Estado aos ataques democráticos. Uma eventual sanção poderia ser interpretada como um gesto de apaziguamento ou como uma medida de correção de rumo na dosimetria das penas, enquanto o veto seria visto como uma reafirmação da severidade das condenações.
A discussão em torno do PL da Dosimetria transcende os aspectos técnicos do direito penal, inserindo-se em um debate mais amplo sobre justiça, anistia e a responsabilidade por atos que visaram subverter a ordem constitucional. Para defensores do projeto, as alterações são necessárias para garantir uma aplicação mais equitativa da lei, evitando o que consideram penas excessivas ou desproporcionais. Argumentam que a individualização da conduta, a distinção entre líderes e participantes passivos, e a revisão de como os crimes são cumulados são princípios fundamentais de um sistema de justiça justo. Por outro lado, críticos alertam para o risco de deslegitimar a resposta judicial dada até o momento e de enviar uma mensagem de leniência, potencialmente abrindo precedentes perigosos para futuros ataques à democracia. A memória do 8 de janeiro e a necessidade de responsabilização permanecem como eixos centrais dessa controvérsia, tornando a decisão presidencial um momento aguardado com grande expectativa por todos os setores da sociedade brasileira.
Fonte: https://jovempan.com.br

