A domesticação de lobos pelos humanos, um evento ocorrido há milhares de anos, resultou na vasta gama de cães que conhecemos hoje. No entanto, os detalhes sobre como e quando essa interação se iniciou permanecem um tanto obscuros.
Dois estudos recentes, publicados simultaneamente na revista Science, lançam novas luzes sobre a diferenciação entre lobos e cães. As descobertas indicam que a diversidade visível nos cães atuais surgiu muito antes da seleção moderna.
As pesquisas abordaram a questão sob duas perspectivas distintas: a primeira analisou os crânios dos primeiros cães para entender como a morfologia desses animais começou a divergir da dos lobos. A segunda avaliou como essas mudanças impactaram o DNA.
Fósseis caninos revelam uma relação antiga
A análise dos restos mortais, conduzida por cientistas da França e do Reino Unido, examinou crânios de mais de 600 cães e lobos com até 50 mil anos. Os resultados revelaram um formato distinto em fósseis encontrados no noroeste da Rússia, fortalecendo a hipótese de que a domesticação começou há mais de 12 mil anos.
Os pesquisadores observaram que os animais já apresentavam focinho curto e face mais larga em crânios antigos, além de uma variação expressiva entre cães associados a grupos de caçadores-coletores ou agricultores, indicando que os animais não eram utilizados apenas para a caça.
“Embora os crânios de cães mais antigos não fossem distinguíveis dos de lobos, o grau de diferenciação observado no final do Pleistoceno (de 2 milhões a 11,7 mil anos atrás) sugere associações ainda mais antigas do que se pensava entre humanos e canídeos”, afirma a pesquisadora Sacha Vignieri, editora dos dois artigos na Science.
Estudo genético busca a origem
O outro estudo, por sua vez, mostra, através de linhagens genéticas, que os humanos transportavam cães durante suas migrações, reproduzindo indivíduos de mesmas famílias. A análise de genomas de cães antigos da Eurásia revelou uma correlação entre os deslocamentos humanos e a distribuição de linhagens caninas. As espécies avançaram lado a lado por vastas regiões.
Os cientistas verificaram, ainda, que características apreciadas em determinados ambientes influenciavam a circulação dos animais. Nos registros do Ártico, por exemplo, havia indícios de cães trocados entre povos, provavelmente devido à demanda por trabalho e resistência ao frio.
Os dados genéticos de 73 cães antigos mostraram alterações de ancestralidade compatíveis com rotas migratórias humanas. Cães do leste europeu tinham ligação com grupos da Sibéria oriental. Animais de regiões agrícolas apresentavam marcas de domesticação que refletiam os hábitos de cada sociedade.
Parcerias moldadas por necessidade
Os estudos também demonstraram que, desde o início, a diversidade canina atendia a necessidades variadas. A variação já estava consolidada quando as práticas agrícolas se expandiram. Isso aponta para um processo de seleção realizado por comunidades antigas de forma contínua.
Os pesquisadores destacaram, ainda, que o volume de variação observado há 10 mil anos ultrapassa as expectativas. Isso desafia noções tradicionais que atribuem às raças vitorianas do século 19 um papel central na criação da diversidade morfológica moderna.
Apesar dos avanços, os estudos não definem onde o processo de domesticação começou. Os dados apontam caminhos possíveis, mas ainda não há consenso. Os fósseis mais antigos com características de cães estão na Rússia, mas linhagens genéticas antigas aparecem em regiões distintas.
Pesquisadores afirmam que a origem pode ter envolvido diferentes populações de lobos. A interação entre essas linhagens produziu variações que se misturaram ao longo do tempo. Essa hipótese explica a diversidade encontrada em materiais datados do Holoceno.
Fonte: www.metropoles.com

